Oliveira dos Campinhos - Santo Amaro

Friday, December 29, 2006

O GRITO DO SILÊNCIO II

Ano I- nº. 02 - Outubro - 2006

EDITORIAL

Prezados leitores,

De agora em diante procuraremos estabelecer um contato com vocês, através desse periódico.
Ele aparece num momento de mudanças, conforme descrevi no artigo anterior, como um informativo que em nenhum momento será irresponsável ao relatar a realidade dos fatos. Ele sairá em defesa dessa comunidade sempre em que os seus interesses forem relegados ao segundo plano.
Dedicaremos também o espaço em nossa coluna para fazer breves comentários sobre fatos e pessoas que tiveram grande participação nesta comunidade, ao dedicarem parte de suas vidas lutando por essa terra, contribuindo, assim, para o enriquecimento e difusão dos valores culturais que ainda hoje sobrevivem ao longo do tempo em Oliveira de Campinhos.
A memória de um povo é transmitida às novas gerações através da sua história oral e escrita, assim, tentaremos aqui relembrar esses fragmentos de memória, antes que eles se percam no tempo; valorizando cada pedaço de lembrança que remontam aos valores, costumes e crenças da sociedade oliveirense. Preservar é preciso. Vamos contar com a sua participação.

OLIVEIRA DE CAMPINHOS, UMA VILA DE CONTOS E ENCANTOS

Artigo: OS PIONEIROS DA ALEGRIA 1.

Nos idos dos anos sessenta, eu pouco conhecia sobre a alegria momesca. Só tempo depois eu viria saber o que era um rei momo. Nem ali naquela pequena Vila de Campinhos, na minha infância, esse termo era usual. Só nos anos setenta que o termo designativo do grande
anfitrião da festa carnavalesca começou a penetrar naquela comunidade, através das pessoas que vinham da capital ou através da mídia - rádio, pois poucos televisores haviam na Vila. Podíamos até contá-los sem usar todos os dedos de uma só mão.
E o cinema? Quem não lembra das primeiras projeções de filmes trazidos por Americano para Oliveira? Poucas pessoas, mas, lembram.
Ali naquele recanto aprazível, sereno, aconchegante e bucólico víamos no Mercado Municipal (hoje em ruínas, ficava entre o ponto de convergência da Rua Mário Dias com a Sebastião Dias) os filmes de Tarzan, e várias outras películas projetadas por ele, cujo nome de batismo era José Lima, que mesmo sem ter nascido nesta terra, adotou-a como lar. Talvez tenha sido um dos grandes filhos de Oliveira por adoção. Era um verdadeiro mascate viajante, sempre trazia novidades em suas muitas viagens pelas paragens do Brasil afora; improvisava o espaço de projeção dos filmes no Mercado Municipal, armando seu maquinário, para a alegria da meninada. Era uma correria danada para assistir aos filmes de Tarzan. O filme americanizado, mas quem se importava o que era americano ou do Cinema Novo? (nesta época Glauber Rocha já provocava mudanças no cinema, formatando novos conceitos na estética cinematográfica). Não tínhamos senso crítico para tal, queríamos era ver o filme de Tarzan com ou sem tradução.
Era um verdadeiro alvoroço no meio da criançada, os comentários saiam de boca, em boca: hoje o Americano vai passar o filme de Tarzan. E as horas demoravam de passar. A cada badalada do relógio na torre sineira da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Oliveira, mais a ansiedade tomava conta da rapaziada à espera do grande momento. Parecia que as horas não queriam passar. O relógio badalou seis vezes, anunciando seis horas. As pessoas que transitavam pela praça se voltavam para o frontispício da Matriz, ou para uma das suas fachadas laterais ou posterior, conforme a sua posição em relação ao majestoso templo, e faziam o sinal da cruz; em todas as casas era um completo silêncio na hora da Ave Maria. Quem se atreveria a conversar ou fazer ruídos na hora Santa? Ninguém. Era um sinal de respeito e de religiosidade esse comportamento; uma prática comum nos lares e nas ruas. Quem não lembra dos pedidos de bênção: a bênção meu pai, a bênção minha mãe, a bênção meu tio, a bênção minha tia, a bênção meu padrinho, a bênção minha madrinha, a bênção seu fulano, a benção seu sicrano; em troca ouvíamos de volta: Deus lhe proteja; Deus lhe abençoe, meu filho. Era um respeito só. Atualmente esse comportamento está em desuso na nossa bela cidade.
Os fogões de lenha das casas da vila e arredores anunciavam o aroma gostoso do forte cheiro de café recém passado, suas chaminés liberando brancas fumaças como se anunciasse algo de bom que estava para acontecer. Quem ousava falar em fogão a gás naquela época? Ou tempo bom! Que maravilhoso café, aquele café feito no fogão de lenha de minha tia Maria São Pedro Vitório. Lembro-me daquele caboré fervendo sobre a trempe do seu fogão; ou café gostoso que só ela sabia fazer! E o seu cuscuz de milho, o aipim cozido, o bolo de carimã; ah! Que saudade!
Voltando a questão do cinema, o fato interessante era que a improvisação do espaço de projeção se dava através de lençóis entre as colunas internas do mercado, servindo como biombos de isolamento para os curiosos. Neste caso, nós crianças é que éramos os curiosos; vale aqui uma correção, não só nós crianças, mas também alguns adultos surpresos com a novidade. Quando tínhamos dinheiro para pagar o ingresso entravamos logo cedo e pegávamos o melhor lugar; na falta desse, subíamos nos cobogós que fechavam as paredes laterais do mercado no intuito de ver alguma coisa; para nosso azar às vezes só tínhamos o prazer de ver fragmentos da projeção. Mas tudo era alegria.
Certa feita aconteceu um fato hilariante: o filme de Tarzan estava sendo projetado e, de repente, uma algazarra geral, gritos e fiti, fiu rasgaram o espaço: a fita quebrou, como acontecia em qualquer grande espaço do cinema nos grandes centros, pois nos dávamos ao luxo de ter uma simples “sala” de projeção, era simples e improvisada, mas era nossa; nada mais nos interessava, a nossa retina e ouvidos estavam sempre atentos, concentrados no que estava sendo projetado naquele lençol - que nem tão branco era. Pouco nos importava a cor do lençol, nem o luxo de poltronas. O importante para aquela criançada era o filme, a novidade, do que acontecia naquele momento. Era cadeira, bancos e caixotes trazidos de casa; o chão também era mais uma opção de acomodação. Ai de quem passasse em frente da câmara na hora da projeção. Ato contínuo: acalmaram-se os ânimos enquanto Americano e muitos voluntários emendavam a película, não sei se foi com fita durex, esparadrapo ou cola, sei, sim, que logo que foi resolvido o problema, apagaram-se as luzes.
Caros leitores vocês não imaginam quanto engraçada foi a cena ao retornar a projeção. Ela de vez em quando é relembrada em nossos bate-papos até hoje, em raros momentos, mas, de vez em quando retomamos ao assunto; o fato é que a fita foi emendada ao contrário: Tarzan e Chita pulavam do cipó de uma árvore para outra de cabeça para baixo, o céu foi projetado na parte inferior e o rio corria na parte superior da película; e ai, um gaiato gritou do meio da platéia: “ai meu Deus! Maluqueceu!” Depois aquela atitude de espanto, a meninada e os adultos gargalhavam sem parar e sem conter as lágrimas que escorriam dos olhos.
E o filme continuou até o seu final.
Hoje temos a doce e boa lembrança de Americano, um dos pioneiros da alegria, que naquela época proporcionou a esta comunidade o direito de entrar em contato com a arte do cinema sem sair da sua terra.
“O tempo não pára”. De fato, não pára. E hoje como forma de gratidão, eu e por extensão os amigos que desfrutaram do privilégio de registrar aqueles momentos alegres, vimos render nesta coluna uma homenagem a sua memória.
Que a sua alma descanse em paz.

Até o próximo artigo.

Cosme Santiago da Silva Filho.
Oliveira de Campinhos, 20 de outubro de 2006.

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